quarta-feira, 11 de abril de 2012

Sentença de cassação de vereadores

Trata-se de ação civil pública ajuizada pelo MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SÃO PAULO em face de ABRÃO BRAGHETTO, ALESSIO OTORINO JOSÉ GRANDIZOLI, CÍCERO AUGUSTO DE LIMA NETO, DENIS ROBERTO BRAGHETTI, DORVAL AUGUSTO LIMA, ESPAÑA PERRINO HURTADO ZIVIANI, FLÁVIO CARDOSO DE MORAES, JOEL PEREIRA, JOSÉ ROBERTO DONIZETE SEGALLA, LUIZ CARLOS GAGO, MARIA DO ESPÍRITO SANTO PARANHOS PIRES, MARILDA DE FÁTIMA AMANCIO e UBIRATAN FERREIRA VELASCO, todos qualificados nos autos, imputando-lhes a autoria de atos de improbidade administrativa no exercício do cargo de vereadores neste Município de Campo Limpo Paulista. Na inicial, o autor sustenta que os réus, no curso dos respectivos mandatos, receberam de forma irregular verbas de adiantamento da Câmara Municipal de Campo Limpo Paulista para a realização de despesas pessoais que não guardam a necessária relação com o interesse público, já que procederam a viagens para diversas localidades sem que houvesse justificativa para tanto. Além disso, sustenta que não procederam à necessária prestação de contas ou o fizeram de modo insuficiente. Assim, diz que houve a prática de ato previsto no artigo 9º, caput, 10, caput, e no artigo 11, caput, todos da Lei nº 8.429/92, requerendo a aplicação das sanções do artigo 12, incisos I, II e III, do referido diploma legal, pugnando pela condenação dos requeridos ao ressarcimento integral do dano, à perda da função pública (que estiverem ocupando na data do trânsito em julgado da sentença condenatória), à suspensão dos direitos políticos; a condenação dos requeridos ao pagamento de multa civil e à proibição de contratarem com o Poder Público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário. Os requeridos foram pessoalmente notificados e apresentaram as defesas preliminares de fls.1084/1087 e 1335/1347. Em decisão de fls. 2829/2830 houve o recebimento da inicial, seguindo-se à citação e apresentação de contestações. Em sua defesa, o requerido UBIRATAN FERREIRA VELASCO, aduz, em apertada síntese, que realmente participou de congressos especializados em Administração Pública, para melhor desempenhar seu mister. Sustenta a inexistência de ato eivado de improbidade administrativa, diante da ausência de dolo e de enriquecimento ilícito, bem como da não configuração da má-fé ou imoralidade administrativa. Os requeridos ABRÃO BRAGHETTO, DENIS ROBERTO BRAGHETTI, DORVAL AUGUSTO LIMA, ESPAÑA PERRINO HURTADO ZIVIANI, FLÁVIO CARDOSO DE MORAES, JOEL PEREIRA, JOSÉ ROBERTO DONIZETE SEGALLA, LUIZ CARLOS GAGO, MARIA DO ESPÍRITO SANTO PARANHOS PIRES, MARILDA DE FÁTIMA AMANCIO defendem que houve o atendimento do interesse público, pois as viagens visavam ao aperfeiçoamento dos vereadores. Dizem que havia um processo legislativo prévio, voltado para analisar a conveniência e necessidade da realização da despesa, tendo havido a regular prestação de contas. Ainda, aduzem o atendimento aos princípios constitucionais e ausência de conduta dolosa, pugnando pela improcedência da ação (fls. 2972/2992). Os réus CÍCERO e ALÉSSIO, devidamente citados (fls. 2835 e 2863), não apresentaram contestação (fls. 3197). A ilustre representante ministerial manifestou-se a fls.3208/3216, pugnando pelo julgamento antecipado do feito, com a procedência da ação. Em seguida, os réus, com exceção de Cícero, apresentaram memoriais escritos (Fls. 3223/3225, 3227/3235 e 3236/3239). É a síntese do necessário. Inicialmente, observo que não foram alegadas preliminares pelos requeridos, motivo pelo qual passo diretamente à análise do mérito, sendo o caso de julgamento antecipado, nos termos do artigo 330, incisos I e II, do Código de Processo Civil. Presentes as condições da ação e os pressupostos processuais, verifico que os pedidos contidos na inicial merecem ser julgados procedentes. Por primeiro, observo que os requeridos Cícero e Aléssio não apresentaram contestação no prazo legal, conforme certificado pela Serventia a fls. 3197, devendo, em relação a eles, serem presumidos os fatos alegados na inicial, incidindo-se os efeitos da revelia. O Ministério Público do Estado de São Paulo ajuizou a presente ação civil pública em face dos requeridos com a finalidade de apurar prejuízo ao erário consistente em gastos realizados com viagens sem a devida observância ao interesse público. Tem-se como incontroverso que os réus participaram de eventos/congressos em: Maceió/AL; Natal/RN; Recife/PE; Maceió/AL; Brasília/DF; Porto Seguro/BA; Brasília/DF; Brasília/DF; Caraguatatuba/SP; Brasília/DF; Fortaleza/CE; Brasília/DF; Salvador/BA; Recife/PE; Natal/RN; Fortaleza/CE e Fernando de Noronha/PE (fls. 37/42). Não obstante isso, prestaram contas de modo insuficiente, já que foram acostados aos autos apenas as notas fiscais das despesas. Os valores gastos pelos requeridos nas viagens somam, no ano de 2001, a quantia de R$ 72.360,35 e, no ano de 2002, R$ 71.984,00, cujos adiantamentos foram realizados por meio de atos de nomeação de comissão de representação nos mencionados eventos/congressos, de modo que as quantias cobrissem as despesas com transporte, inscrição no evento, hospedagem, alimentação, extras com hotel e locomoção local, sujeito a prestação de contas (fls. 49/64). Desponta nítido que a conduta dos réus atenta contra as normas e princípios que regem a Administração Pública, tais como o da legalidade, diante da não observância dos preceitos legais, o da moralidade, porquanto as despesas foram feitas sem a comprovação do efetivo benefício do interesse público, e o da publicidade, na medida em que os gastos não foram devidamente justificados. Por tais passos, os excessivos gastos com viagens, feitos sem amparo na legalidade e ferindo o princípio da moralidade administrativa, torna imperiosa a condenação dos réus, reconhecidas as suas condutas como ímprobas, não os socorrendo o fato das despesas questionadas contarem com a concordância do Presidente da Câmara de Vereadores, Ubiratan Ferreira Velasco, dos Vices-Presidentes e dos Secretários, os quais também compõem o pólo passivo desta ação, nem mesmo de que os congressos visavam ao aperfeiçoamento dos vereadores, o que não foi comprovado. Neste sentido é firme a posição deste Tribunal, de onde podemos destacar: “APELAÇÃO. Improbidade Administrativa Gastos efetuados por vereadores com viagem destinada a congresso. Ausência de motivação. Em se tratando de gasto com dinheiro público, inexiste liberdade para atuação discricionária de seus agentes. A atividade administrativa não é senhora dos interesses públicos, no sentido de poder dispor dos mesmos a seu talante e alvedrio. Age de acordo com a "finalidade da lei", com os princípios vetores do ordenamento, expressos e implícitos. Improbidade administrativa caracterizada - Princípios da legalidade, publicidade e moralidade não atendidos - Sentença reformada - Recurso provido.” (Apelação Cível nº 9066823-90.2006.8.26.0000 9ª Câmara de Direito Público do Tribunal de Justiça de São Paulo Re. Des. Oswaldo Luiz Palu j. 10/11/2010). “AÇÃO CIVIL PÚBLICA IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA Vereadores que, autorizados pelo Presidente, utilizaram verbas públicas para a participação em Congresso na cidade Maceió-AL. Ausência de motivação e de previsão legal A Administração Pública só pode fazer o que a lei permite Ato inválido Improbidade verificada Pena reformada Recursos parcialmente providos.” (Apelação Cível nº 0155623-87.2005.8.26.0000 8ª Câmara de Direito Público do Tribunal de Justiça de São Paulo - Rel. Des. Cristina Cotrofe j. 18.05.11) Da análise dos documentos apresentados, conclui-se que não há justificativa razoável para os gastos realizados pela Câmara Municipal em razão das solicitações dos corréus. Pelo contrário, verifica-se que não se exigia dos interessados que apontassem o interesse coletivo que motivava as viagens pagas com dinheiro dos cofres públicos. Nem mesmo nestes autos os demandados conseguiram demonstrar que as viagens realmente foram realizadas em prol do interesse público. Como bem observou a ilustre Promotora de Justiça a fls. 3214: “Não basta juntar uma nota fiscal. Isso apenas comprova que o réu ficou hospedado em hotel às custas da Prefeitura. É necessário que, como esclarece a própria Prefeitura, o servidor traga aos autos comprovantes do interesse público atendido, como certificado do curso realizado, protocolo de documento, declaração de repartição ou entidade que ateste que o servidor esteve naquela data e dia a serviço da municipalidade. Contudo, nada disso foi feito.” Gastou-se sem que tivesse comprovação da necessidade das despesas e do dispêndio daqueles valores específicos, bem como se, efetivamente, o interesse público foi atendido. Há nos autos, portanto, farta documentação comprovando o envolvimento dos requeridos nas condutas descritas pelo demandante. Outrossim, não há que se falar em necessidade de demonstração de má-fé, pois a configuração dos atos de improbidade por dano ao Erário e o dever de ressarcimento decorrem de conduta dolosa ou culposa, de acordo com os arts. 5º e 10, da Lei 8.429/1992. Nesse sentido, assentou o Egrégio Superior Tribunal de Justiça: “ADMINISTRATIVO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA IMPROBIDADE. MAJORAÇÃO ILEGAL DA REMUNERAÇÃO E POSTERIOR TRANSFORMAÇÃO EM AJUDA DE CUSTO SEM PRESTAÇÃO DE CONTAS. DANO AO ERÁRIO. OBRIGAÇÃO DE RESSARCIR O COMBALIDO COFRE MUNICIPAL. RESTABELECIMENTO DAS SANÇÕES COMINADAS NA SENTENÇA. 1. Cuidam os autos de Ação Civil Pública proposta pelo Ministério Público do Estado de Minas Gerais contra prefeito, vice-prefeito e vereadores do Município de Baependi/MG, eleitos para a legislatura de 1997/2000, imputando-lhes improbidade pelas seguintes condutas: a) edição das Leis 2.047/1998 e 2.048/1999, fixando seus subsídios para a mesma legislatura em contrariedade aos arts. 29, V, e 37, XI, da Constituição, sobretudo porque baseados em dispositivo da EC 19/98 não regulamentado; e b) edição, num segundo momento, da Lei 2.064/1999, que suspendeu as leis antes mencionadas e transformou em ajuda de custo os valores majorados às suas remunerações, independentemente de comprovação de despesas, com vigência até a regulamentação pendente. 2. O Juízo de 1º grau julgou procedente o pedido e declarou a inconstitucionalidade incidental e a nulidade das lei municipais, condenando os réus a devolverem os valores indevidamente recebidos, além de cominar as sanções previstas na Lei 8.429/1992. 3. A Corte de origem deu parcial provimento às Apelações dos réus para excluir a) a condenação ao ressarcimento e b) a cominação de sanções. 4. A despeito de ter reconhecido que as leis municipais em referência foram editadas em contrariedade à orientação do Tribunal de Contas do Estado e aos princípios da impessoalidade e da moralidade, o acórdão recorrido afastou integral e amplamente todas as conseqüências da improbidade por não ter vislumbrado má-fé e expressividade nos valores envolvidos. 5. O entendimento de que inexistiu má-fé é irrelevante in casu, pois a configuração dos atos de improbidade por dano ao Erário e o dever de ressarcimento decorrem de conduta dolosa ou culposa, de acordo com os arts. 5º e 10 da Lei 8.429/1992. Precedentes do STJ. 6. A edição de leis que implementaram aumento indevido nas próprias remunerações, posteriormente camuflado em ajuda de custo desvinculada de prestação de contas, enquadra a conduta dos responsáveis tenham agido com dolo ou culpa no art. 10 da Lei 8.429/1992, que censura os atos de improbidade por dano ao Erário, sujeitando-os às sanções previstas no art. 12, II, da mesma lei. 7. No próprio acórdão consta que havia manifestações do Tribunal de Contas e do STF em sentido contrário à conduta por eles adotadas. 8. A ausência de exorbitância das quantias pagas não afasta a configuração da improbidade nem torna legítima sua incorporação ao patrimônio dos recorridos. Módicos ou não, os valores indevidamente recebidos devem ser devolvidos aos cofres públicos. Precedente do STJ. 9. Cabe lembrar que o valor da majoração excedeu os insuficientes recursos existentes, à época, para ações sociais básicas. 10. A condenação imposta pelo juízo de 1º grau foi afastada à míngua de fundamento jurídico válido, devendo ser restabelecida a sentença em parte, apenas com readequação da multa civil, por ter sido aplicada além do limite previsto no art. 12, II, da supracitada lei. 11. Diante do quadro fático delineado pela instância ordinária (transformação do inconstitucional aumento em ajuda de custo desvinculada de prestação de contas, em montante que ultrapassou a remuneração dos vereadores e quase alcançou a do então prefeito, em contraste com o insuficiente orçamento existente à época para a realização de ações sociais), é razoável fixar a multa em duas vezes o valor do dano. 12. O ressarcimento ao Erário do valor da majoração indevidamente auferida pelos recorridos impõe-se como dívida decorrente do prejuízo causado, independentemente das sanções propriamente ditas. 13. Recurso Especial parcialmente provido”. (Recurso Especial nº 723.494 Rel. Min. Herman Benjamin j. em 1º.09.09). Assim, verifica-se a partir da análise das irregularidades praticadas que os réus, com as suas condutas, causaram prejuízos ao erário, conforme discriminado na inicial. Em decorrência, devem mesmo os demandados ressarcir ao erário dos valores que foram irregularmente despendidos, sem que se possa vislumbrar ofensa aos princípios da presunção da não-culpa e da legalidade nem aos artigos 5º, incisos II, XLV, XLVI, LV; 37, § 5º, 93, inciso IX, e 129, inciso IX, da Constituição Federal; 1º a 5º, 82, 83 e 128 do Código de Processo Civil; e 23, inciso I, da Lei nº 8.429/92. Não se pode admitir que num Município carente como Campo Limpo Paulista, os representantes do Legislativo realizem cursos e congressos, a seu bel prazer, na maioria, em cidades turísticas do Nordeste, à custa do dinheiro público. Diante do exposto e do mais que consta dos autos, JULGO PROCEDENTE a ação civil pública, para o fim de condenar os réus ao ressarcimento dos danos provocados ao Erário, cada qual na medida de sua participação nos atos, com correção monetária pela Tabela Prática do TJSP, desde a data do ajuizamento da ação, e acrescido de juros de 1% ao mês desde a citação, valores esses que serão apurados em liquidação de sentença, bem como para condenar os réus à perda da função pública (que estiverem ocupando na data do trânsito em julgado da sentença condenatória), suspensão dos direitos políticos pelo prazo de 3 anos, e de serem proibidos de contratar com o Poder Público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual sejam sócios majoritários, pelo prazo de 3 anos. Ainda, condeno os requeridos a arcar com multa civil no importe do valor do dano, individualmente considerado, a ser apurada em liquidação de sentença, obedecendo-se o disposto no parágrafo único do artigo 12 da Lei de Improbidade. Condeno, ainda, os réus, nas custas e demais despesas processuais, a serem revertidas à Fazenda Pública Estadual, sem condenação em honorários advocatícios. P.R.I. Campo Limpo Paulista, 26 de março de 2012. Patrícia Cayres Mariotti Juíza de Direito

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